quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Mais Tarde, Cris!

Mesmo tendo ido deitar-se depois da meia-noite, Cris acordou às 5:15, e não conseguiu mais dormir. Depois de revirar-se na cama por meia hora, levantou-se. Abrindo as cortinas de bordado inglês, olhou para a praia, sentindo-se como uma ave olhando a terra do alto de seu poleiro. 

A praia deserta sempre a fascinava com sua imensidão. Gostava principalmente desse cenário à luz do amanhecer, quando uma neblina tênue subia do mar, dando um halo macio à areia. Tudo lá fora parecia um mundo de sonhos, e a manhã a convidava a caminhar em silêncio. 

Seguindo seu impulso, Cris vestiu jeans e uma malha, e desceu bem quietinha, ao encontro da névoa matinal. A umidade deu-lhe uns calafrios e ela desejou ter trazido um casaco. Começou a correr para aquecer-se, sentindo a areia encher o tênis.

Encheu os pulmões do ar úmido enquanto corria. Um acesso de tosse fez com que parasse e sentasse na areia por um momento. Tinha ido bem longe e resolveu recuperar o fôlego antes de reiniciar o cooper. Esperava conseguir entrar em casa sem ser notada e dormir majs algumas horas. 

A mente e as emoções não estavam mais sossegadas. Mas, pelo menos, correr ajudava a se cansar um pouco. 

Já ia virar-se para voltar quando notou outra pessoa correndo em meio à neblina, vindo em sua direção. Pela primeira vez, sentiu medo de estar sozinha na praia. Reconheceu que fora loucura sair desacompanhada. Percebeu também que se de repente levantasse e começasse a correr, ela logo a notaria. Com o coração batendo rápido, resolveu ficar parada, na esperança de que ela não a avistasse.

Envolvendo os joelhos com os braços, e olhando para baixo, pensou: "Continue correndo, continue correndo, você aí. Não me veja. Sou Invisível". 

Os pés do corredor se aproximaram. Para horror dela, o rumor de suas passadas cessou bem na sua frente. Compreendeu que ele estava parado, olhando para ela, examinando-a.

Ele chegou mais perto e sentou-se ao seu lado. Ela ouvia-o arfar. 

Sem erguer o olhar e antes que ele dissesse uma palavra, compreendeu que era o Ted.

Ficaram ali sentados muito tempo, um ao lado do outro, em silêncio. Imóvel, Cris ouvia a respiração do Ted mudar de ritmo, desacelerar-se.

Sentia os passos de outro corredor vindo na direção deles e usou a oportunidade para levantar a cabeça e ver quem passava. 
- Bom dia, disse-lhes um senhor mais velho. Bela manhã, não é? 
- Bom dia, respondeu Ted quebrando o silêncio. 

Para surpresa dela, no momento em que ouviu a rica voz de Ted, algo dentro dela estremeceu-se, e começou a chorar. Piscava os olhos, contraindo a garganta, mas as lágrimas continuavam jorrando. 

Esforçando-se para falar, Cris sussurrou: 

- Desculpe! 
 
- Eu... começou. Sei que ontem à noite ficou parecendo que eu queria namorar o Rick, mas não é isso, não. Foi um encontro. Não estou namorando ele. O que sinto por você não mudou nada. 

- Eu sei, disse Ted. 

Cris suspirou aliviada e continuou, com medo de que, se parasse, nunca dissesse o que lhe ia no coração. 

- Não sei exatamente o que dizer, Ted. Já tentei antes e nunca consegui achar as palavras certas. Gosto de você de verdade. Quero-lhe muito bem. Nunca gostei de ninguém como gosto de você. Eu... 

Sabia que ainda não poderia dizer a palavra “amo” mas tinha existir algum termo mais forte do que “gosto”. Não encontrava tal palavra. 

- Eu realmente gosto de você, Ted, Espero que entenda o que estou dizendo. 

Cris sentiu-se como se lhe houvessem aberto o peito, e agora 
estivesse com o coração na mão, esperando que Ted o aceitasse. 

- Entendo bem o que você está dizendo, Cris, disse ele e fez uma pausa. 
Em seguida, com palavras rápidas, pensadas, como se tivesse ensaiado a noite toda, continuou: 

- Mas você tem mais dois anos de colegial pela frente, e precisa se sentir livre para fazer amizades e sair com quem você quiser sem achar que tem de me pedir desculpas. Foi egoísmo de minha parte pensar que eu pudesse segurá-la e esperar você crescer. 

Suas palavras foram como um balde de água gelada e salgada no rosto. Todos os seus sentimentos vulneráveis e transparentes de alguns segundos antes transformaram-se imediatamente em raiva. 

"Esperar que eu cresça? Que é que ele acha que eu sou? Uma criancinha?" 

Suas lágrimas rolavam como pedrinhas quentes de raiva. Irrefletidamente, deixou escapar: 

- Muito bem, então eu mando sua pulseira pelo correio. 

- Não, ela é sua para sempre. Lembra-se do que eu disse quando a entreguei para você? Não importa o que acontecer, vamos ser amigos para sempre. Eu estava sendo sincero naquela hora, e estou sendo agora. 

Incrível! pensou Cris, enxugando as lágrimas. Eu abro o coração e ele me manda crescer! Não posso nem ter a satisfação de “acabar”, porque ele não aceita de volta a pulseira. 

Ficaram sentados em silêncio, aparentemente sem mais nada a dizer. Então, bem ao jeito dele, Ted colocou a mão sobre a testa de Cris e perguntou: 

- Posso abençoá-la? 

- Me abençoar? 

- Cris, começou Ted, sem esperar que ela desse permissão, que o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor sobre ti levante o rosto e te dê a paz. E que você sempre ame a Jesus em primeiro lugar, acima de tudo. 

Me abençoar? pensou ela no momento em que ele terminou. Faça o rosto do Senhor brilhar em mim e me dar paz? Neste momento, eu sinto tudo, menos paz! Ted, seu superespiritual, você devia era me abraçar, dizer que me ama e que vai lutar pra me reconquistar! 

Ted levantou-se. 

O quê? Só isso? Eu lhe entrego meu coração e você me diz pra crescer e aí ministra uma espécie de bênção apóstolica para que tudo fique certo?! Agora vai embora, assim, simplesmente? 

Ted firmou os pés na areia e olhou as ondas com os braços cruzados sobre o peito largo. 

- Vou para Oahu, anunciou. 

Cris ergueu-se de um salto. 

- O quê? 

Uma coisa era vê-lo ministrar-lhe a “bênção”, tencionando deixá-la à vontade para sair com quem quisesse; outra coisa era ouvir-lhe o plano de partir para longe, o que a encheu de desespero, dando-lhe uma pungente sensação de perda definitiva. 

- Resolvi pegar o circuito de surfe com o Kimo, como eu e ele combinamos quando éramos garotos. Telefonei para ele ontem à noite e ele disse que posso ficar em sua casa na Praia Norte. Vou embora amanhã, 

- Amanhã? Ted! exclamou ela com medo e raiva misturados às palavras. Por quê? O que está acontecendo com você? 

Ele explicou sucintamente: 

- Vou estudar na Universidade do Havaí. À matrícula é segunda-feira. 

- Na Universidade do Havaí? Por que lá? 

- Porque assim posso fazer um semestre de faculdade antes da competição de surfe. Com isso meu pai vai ficar muito contente. 

Seu pai vai ficar contente? E eu? Não estou nem um pouco contente por vê-lo partir. E você? Você realmente quer fazer isso, ou resolveu ontem à noite quando me viu com o Rick? 

- Ted, o que está acontecendo conosco? Que é que há? 

Ele virou-se para ela e fitou-lhe a vista, afogada no pranto. 
Seus olhos azuis-prateados que cem vezes abraçaram os de Cris estavam agora distantes, embaçados num nevoeiro aguado. 

- Estamos mudando, Cris. Só isso. Nós dois estamos mudando. 

De repente, inesperadamente, Ted envolveu-a num abraço apertado. Em seguida, largou-a e saiu andando pela praia. 

- Ted! gritou Cris, mas ele continuou se afastando. 

Corra atrás dele, Cris! Lance os braços em volta dele. Convença-o não ir embora para Oahu. Esta é sua última chance! Faça alguma coisa! 

A mente jorrava ordens, e as emoções corriam numa velocidade apavorante, mas os pés se recusaram a mover-se. A garganta fechou-se, e ela ficou parada, gelada e sem palavras. Enquanto isso, Ted se afastava dela cada vez mais. 

- Tchau, Ted sussurrou ela em meio ao ar fino da manhã. 

A certa distância, Ted virou-se, limpou rapidamente os olhos com o braço, e fez um sinal de que estava “tudo legal”.

- Mais tarde, Cris! gritou ele, e o som de sua voz rouca pesou no ar como o chamado de um grande abismo.

- Trecho do Livro "Um Brilho de Esperança - Série Cris 06", de Robin Jones Gunn.

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