Certo rei teve um sonho. Nele, viu as misérias e as aflições que abatiam os seus mais simples súditos. Teve um sono perturbador. Ao amanhecer, brotou em sua alma um sentimento que nunca tinha tido antes, a compaixão. Condoído com a miséria do seu povo, resolveu se disfarçar de mendigo e sair bem cedo pelas ruas do seu reino. Queria compreender de perto as angústias das pessoas. Desejava passar fome, frio, sentir-se rejeitado, viver anonimamente, enfim, viver o que a grande massa do seu povo vivia. Pensou que somente conhecendo imtimamente o seu povo poderia ser um grande rei.
Chamou seus ministros, disse-lhes sua intenção e pediu segredo. Comentou que pretendia ficar um mês longe das mordomias do trono. Os ministros, encantados com sua humildade, o aplaudiram. O rei, revelando uma modéstia nunca antes demonstrada, agradeceu.
Travestido de mendigo saiu do palácio ocultamente, antes dos primeiros raios de sol. Não se alimentou de seu farto café. Às dez da manhã, pediu pão numa casa, recebeu um pedaço embolorado. Recusou-se a comer e reclamou do bocado. Paciência não era uma das suas virtudes, mas o rei procurou se acalmar.
No almoço, de estômago vazio, sentiu um aperto na alma e no peito nunca antes sentido, era a fome. Saindo pelas casas, ganhou restos de comida do jantar da noite anterior. O cheiro azedo embrulhou-lhe o estômago, não almoçou. Aos que lhe negavam comida, esbravejava: "Miseráveis!". Os donos das casas nunca tinham visto um pobre tão petulante.
À tarde, encontrou alguns mendigos na praça. Puxando assunto, não lhes deram atenção. Insistiu para ser ouvido e não o ouviram, perceberam nele um aroma de arrogância. Sentindo-se desprezado, irou-se e levantou a voz. Em troca, recebeu alguns tapas e safanões. Sabem o que aconteceu? O rei jogou a toalha e retomou imediatamente o seu trono.
De volta ao palácio, listou os homens que o ofenderam e mandou seus guardas encarcerá-los. Listou também os que lhe negaram alimento fresco e mandou açoitá-los. Por que o rei desistiu em menos de vinte e quatro horas de ser um homem simples, de conhecer as misérias dos seus súditos? Porque enquanto foi "povo", nunca deixou de ser rei.
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